AVISO: Esse é um jogo que todos deveriam um dia na vida ter visto. Digno das desventuras dos grandes heróis épicos formadores da civilização ocidental, este clássico do futebol de seleções, sem dúvidas, foi um dos grandes momentos do mundial de 2006. A incrível história de um time defensivo que venceu apostando no ataque e de um outro time assombrado pelo fantasma do oponente tantas vezes vencedor contra ele. A trama épica não foi escrita por Dante ou Goethe, mas sim, por jogadores de futebol. Ao invés da sabedoria para a conquista de César Augusto, primeiro imperador de Roma, Pirlo e a estratégia de organizar o meio de campo italiano. Substituindo a aventura gigantesca do Doutor Fausto, Ballack e a torcida que acreditava levar o time as finais através do mantra: Nosso apoio levará vocês até a final. Eis a nossa história…
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Na noite de 04 de Julho de 2006, em Dortmund, no famoso Westfalenstadion, também conhecido como “A casa da Ópera” do futebol alemão, um dos jogos mais impressionantes da história das copas do mundo definiu um dos finalistas do torneio de seleções daquele ano.
A peleja, acompanhada por 65.000 pessoas, colocava frente a frente as duas camisas mais pesadas do futebol europeu. De um lado, o tradicional time alemão, 3 vezes vencedor do mundial de seleções. Do outro, mas não menos importante, a famosa Squadra azurra, também detentora de 3 taças e famosa por seu estilo de jogo defensivo, porém vencedor. Era um duelo de Titãs. Ainda mais épico pelo fato de, no ano de 1970, nas semifinais da copa do México terem protagonizado aquele que é conhecido como O Jogo do Século. Partida com trama homérica, incrivelmente vencida pela Itália com o placar de 4×3 na prorrogação. Jogo que nos legou uma das mais belas cenas do esporte, que é a de Franz Beckenbauer, o Kaiser, jogando a prorrogação com o ombro deslocado e suspenso em uma tipóia.
A partida continha tons nostálgicos e revanchistas. Na copa de 1990, que aconteceu na Itália, a Alemanha sagrou-se campeã em Roma vencendo a Argentina de Maradona por 1×0. Pelo lado alemão, a incômoda sina de nunca ter vencido a Itália em competições oficiais era um combustível para aquela partida tão decisiva. O fato é que, meses antes, nos amistosos preparatórios a Itália havia aplicado um sonoro 4×1 em Florença no time de Klinsmann. Detalhe que adicionava mais rivalidade e emoção em uma partida onde as camisas envergavam varal.
Montado o cenário, vamos aos atores. A Alemanha, dona da casa contava com um time competente defensivamente e ofensivamente. Destacavam-se: Lehmann no gol, Lahm na lateral esquerda, Ballack no meio de campo, a sensação da copa Podolski e o oportunista Klose. Nas quartas de final a Alemanha tinha batido o excelente time da Argentina, que tinha em seu plantel nomes como: Abbondanzieri, Sorín, Samuel, Ayala, Mascherano, Verón, Riquelme, Cambiasso, Tévez, Maxi Rodríguez e Crespo. A Itália, por sua vez, contava com um time muito organizado na defesa e no meio de campo. Buffon, Cannavaro, Zambrotta, Gattuso, Pirlo, Camoranesi e Totti compunham uma seleção de muita força defensiva e de excelente controle de bola no meio campo. Mas quis os deuses do futebol que o herói que abriu a contagem não fosse nenhum desses, mas sim um lateral esquerdo desconhecido do grande público chamado: Fabio Grosso.
A partida que começou com uma esperada pressão alemã é uma daquelas que facilmente poderiam se prolongar por dias e horas à fio. A Itália, valendo-se do seu famoso jogo defensivo e do tradicional Catenaccio defendia-se e impunha seu ritmo na defesa. A Alemanha, empurrada pelos gritos de seus torcedores e pela expectativa de chegar à final em sua casa buscava o jogo com Ballack, pelas escapadas laterais de Lahm e acreditava no potencial decisivo de Podolski e Klose.
A bem da verdade e dos propósitos narrativo o fato é que nenhuma das duas seleções tirou o zero do placar no tempo regulamentar e, por uma incrível coincidência, o novo encontro entre Alemanha e Itália voltou a ir para a prorrogação. A peripécia da partida fica por conta dos traumas psicológicos que viriam a aflorar na prorrogação. A Alemanha que teme a invencibilidade italiana em confrontos oficiais. A Azurra que tem medo dos pênaltis e fama de azarada nas decisões na marca da cal contra um oponente que nunca foi derrotado nesse tipo de decisão.
É aí que o jogo adentra em um nível de odisseia que explica o absurdo do mundo, a existência torna-se menos dolorida e a frase de Camus, famoso escritor existencialista francês, sobre o futebol, torna-se uma verdade quase que absoluta: “Tudo que eu sei sobre a moral e os costumes dos homens eu devo ao futebol.” É aqui que o futebol explica a vida, a ficção e tudo que rege esse complexo mundo das relações humanas. Para não ter que passar pelo trauma de ir aos pênaltis, a Itália abandona seu modo de jogar e empreende-se no ataque com as entradas de Iaquinta e Del Piero, além da presença de Gilardino, que havia entrado no segundo tempo regulamentar. Tal como os heróis das epopeias, refaz seu modo de agir e parte agressivamente para a conquista do resultado que a credenciaria a disputa do título.
Aos 12 minutos da prorrogação, Pirlo, cerebral meio campo italiano, acerta uma bomba e Lehmann espalma para escanteio. Aqui, como nos velhos cantos trágicos o herói, escondido, mas determinado parte em busca da redenção. A bola é alçada na área e a defesa alemã corta, porém, ela sobra mais uma vez no pé do camisa 21 da Azzurra. Como o astuto Ulisses, ele engana a defesa ao fingir tocar no canto e acha no meio da defesa, Fabio Grosso. E ali, como se seguisse o conselho de Camus: “Aprendi que a bola nunca vem por onde esperamos que ela venha. Isso me ajudou muito na vida”, o mais improvável dos redentores, com um chute espetacular coloca a bola no canto do goleiro alemão: GOL DA ITÁLIA. Festa Italiana em Dortmund.

Os alemães lançam-se ao ataque com todas as forças, porém encontram a sólida defesa italiana como um empecilho para o empate. Aos 14 minutos, lançam a bola na área e ela é cortada por Cannavaro. Ele, que venceria o prêmio de melhor jogador do mundo naquele ano, parte na caçada de Podolski, que àquela altura domina a bola, recupera e passa para Totti, que parte para um contra-ataque de manual. O craque da cidade de Roma passa para Gilardino, que leva até a entrada da área adversária, percebe a aproximação de Del Piero e toca no companheiro, que chuta a bola por cobertura na saída de Lehmann: GOLAÇO! A Itália estava na final da copa do mundo FIFA de 2006.

A Itália enfrentaria a França de Zidane na final do mundial. E tal como o herói trágico que supera seus fantasmas e assombros no decorrer das lutas, vence a França nos pênaltis. Consagrando-se assim: TETRACAMPEÃ MUNDIAL DE FUTEBOL.